O desaparecimento das florestas primárias tropicais úmidas em todo o globo segue em velocidade preocupante. Só em 2021, cerca de 37,6 mil km² foram destruídos, alerta uma análise da plataforma Global Forest Watch publicada nesta quinta-feira (28/04).
Grande parte dessa devastação ocorreu no Brasil: foram 15,5 mil km² perdidos no ano passado, o equivalente a 40% do total registrado no planeta, apontam os dados monitorados anualmente sob coordenação da Universidade de Maryland, dos Estados Unidos, e do World Resources Institute (WRI).
“Infelizmente, os dados têm uma certa previsibilidade. Eles mostram uma estabilidade na evolução [da perda florestal]”, comenta sobre a liderança brasileira no ranking negativo Fabíola Zerbini, diretora de florestas, uso da terra e agricultura do WRI Brasil.
Desde 2016, o Brasil tem apresentado taxas de perda acima de 10 mil km², segundo informações da Global Forest Watch, que disponibiliza os detalhes numa plataforma online gratuita.
Essa avaliação independente é diferente daquela feita pelo Prodes, sistema de monitoramento anual do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A primeira, além de adotar outra metodologia, abrange os meses de janeiro a dezembro. Já o Prodes considera o período entre agosto de um ano e julho do ano seguinte.
“Nós mostramos nossos dados para o Inpe, que faz um trabalho fundamental. Há diferenças, mas existe uma consistência histórica, ambos mostram aumento da tendência da perda de florestas”, complementa Zerbini em entrevista à DW Brasil.
As florestas tropicais úmidas estão próximas à linha do Equador, são ricas em biodiversidade e têm um papel vital na regulação do clima. Elas também são conhecidas por um outro fenômeno causado por atividade humana: o desmatamento.
“Essas florestas analisadas [primárias tropicais úmidas] têm alto valor ecossistêmico, uma grande importância para a agenda climática global, riquíssimas em biodiversidade. A perda delas gera um impacto negativo muito grande justamente por esse grande serviço que elas prestam para sociedade”, aponta Zerbini.
Apesar de o levantamento atual apontar uma queda de 11% em relação à devastação registrada no mundo em 2020, que atingiu um dos maiores níveis desde 2002 (42 mil km²), a taxa de 2021 é considerada elevada e é praticamente a mesma das observadas em 2018 (36,5 mil km²) e 2019 (37,5 km²).
Na América do Sul, a Floresta Amazônica tem maior peso no levantamento feito pela Global Forest Watch. Depois do primeiro lugar disparado para o Brasil no quesito perda, a República Democrática do Congo vem em segundo lugar – mas bem abaixo do patamar brasileiro – com 5 mil km². Bolívia (2,9 mil km²) e Indonésia (20,3 mil km²) aparecem na sequência.
A perda em solo boliviano em 2021 foi a maior registrada desde o início da série, em 2002. Grandes áreas da Amazônia também foram devastadas no Peru e Colômbia, que aparecem em quinto e sexto lugares, respectivamente.
Embora ainda esteja na terceira colocação do ranking global, a Indonésia conseguiu, pelo quinto ano seguido, reduzir o corte e queima de florestas primárias. No país, a floresta é desmatada principalmente para dar lugar a plantações de palmeiras que fornecem óleo de dendê.
De 2002 a 2021, o planeta perdeu mais de 683 mil km² de florestas primárias tropicais úmidas, o que representa uma redução de quase 7% na área total desse tipo de vegetação, segundo a base de dados da plataforma.
No Brasil, houve aumento considerável de devastação nos estados amazônicos mais a oeste, como Amazonas, Acre e Rondônia. Muitos desses novos focos são clareiras em grande escala ao longo de estradas, o que, acredita-se, se trate de terreno aberto para pastagem do gado.
Embora a análise da Global Forest Watch se restrinja aos números, Fabíola Zerbini, do WRI Brasil, comenta sobre o contexto que impulsiona o corte e queima das árvores na Amazônia.
“Isso tem a ver com a precarização da fiscalização, das ações de comando e controle no campo, da redução do orçamento dos órgãos ambientais. Tudo isso gerou um ambiente onde a ilegalidade cresceu muito”, argumenta.
“A floresta em pé é o grande potencial que o Brasil tem nas mãos para enriquecer, e não o contrário. Isso vale inclusive para o próprio agro”, afirma Zerbini. “É falsa essa dicotomia entre riqueza e floresta; agricultura e floresta. A agricultura, aliás, tem muito a ganhar com a floresta em pé. A destruição da floresta pode agravar a crise hídrica, o que representa um tremendo impacto de negócio para o agro”, acrescenta.
Estudos recentes já mostram que o desmatamento e as secas mais prolongadas estão limitando a capacidade de a Floresta Amazônica se regenerar. Um estudo publicado na Nature Climate Change em março apontou que mais de 75% da floresta está perdendo estabilidade, principalmente na região sul.
Imagens de satélites dos últimos 30 anos analisadas mês a mês ajudaram os pesquisadores a concluir que essa situação ameaça todo o bioma e o aproxima do chamado tipping point, ponto de inflexão em que a Amazônia não consegue mais voltar a um estado de floresta tropical saudável.
Por Metrópoles
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